Tarciana Portella sabe tudo sobre economia criativa. Ela dirige o Instituto Delta Zero que reúne empreendedores culturais em Recife. Sua formação passa por universidades na Grã- Bretanha, França e Paris. Com essa bagagem, ela estará à frente da produção local do Festival Movimento HotSpot que acontece a partir do dia 07 de junho no Parque Dona Lindu.
Entre os mil preparativos, ela arrumou um tempinho e deu a seguinte entrevista:
MHS: O que está você está preparando para o Festival de Recife ?
Tarciana Portella: Uma acolhida calorosa! Existe uma certa curiosidade sobre o Movimento e o Festival, em tempos onde os debates sobre economia criativa e da cultura, inovação, startups e sustentabilidade entraram definitivamente na agenda das políticas públicas e modelos de desenvolvimento do país.
MHS: Como a economia criativa tem ajudado no desenvolvimento local ?
Tarciana Portella: Este é um processo novo, de pesquisa, aprendizagem e construção coletiva no Brasil, até para o traçar as políticas públicas transversais que estimulam e desenvolvem a economia da cultura e criativa. Muitos – aliás, a enorme maioria dos arranjos locais existentes nasceram quase que por geração espontânea, por busca de espaços mais acessíveis e até mesmo por segregação, gentrificação
Ainda são incipientes as ações de indução do poder público. Aqui em Pernambuco temos vários territórios, do Porto Digital no Recife Antigo – como polo de tecnologia e agora dedicado à economia criativa também, ao Alto do Moura, em Caruaru; do Sítio Histórico de Olinda à Nazaré da Mata, ao redor do Pontão de Cultura Canavial. Mas estamos “juntos & misturados” neste desafio, na perspectiva da diversidade, da inclusão, da sustentabilidade e da criatividade.
MHS: Além da música, da tecnologia, quais outras áreas podemos destacar da produção cultural local?
Tarciana Portella: Temos ciclos de criatividade!!!! Atualmente o audiovisual, em particular o cinema, tem dado enorme destaque ao estado, com um grande número de realizadores. Nas artes visuais, também temos um bom número de talentos, apesar das peculiaridades deste mercado e na projeção dos mesmos neste meio. Na área da moda temos destaques também, e o governo vem investindo na busca de articular este segmento com a indústria têxtil do estado, para criar diferenciais. Na literatura, temos talentos nos diversos estágios de inserção na grande visibilidade pública, do romance à poesia. Temos também a enorme riqueza da cultura popular.
MHS: Aliás, por quê os pernambucanos são tão criativos ?
Tarciana Portella: Esta é uma boa pergunta… Existe uma enorme diversidade cultural, uma grande tradição de lutas e rebeliões. A história de Pernambuco é “grandiosa”, inúmeros artistas e intelectuais se fizerem presentes nacionalmente, nos rumos da vida nacional. O pintor modernista Cícero Dias (1907 – 2003) disse que ele viu o mundo e que este nascia em Pernambuco.
MHS: O que te inspira a trabalhar com produção cultural ?
Tarciana Portella: Faço parte desta legião de artistas produtores, por questão de necessidade de expressão da própria arte. Sempre gostei de trabalhar em projetos de longa pesquisa, com equipes grandes e multilinguagens. Sou formada em jornalismo, e minhas áreas eram da poesia, do texto e do documentário, principalmente. Sempre atuei ligada aos movimentos culturais e sociais. Em 2003, tive o privilégio de assumir a Chefia da Representação Regional Nordeste do Ministério da Cultura, levada por esses movimentos, onde ajudei a construir esta gestão histórica da cultura do governo Lula, Gilberto Gil e, posteriormente Juca Ferreira à frente deste processo.
Saí do MinC no início de 2011, e tenho me dedicado à consultoria na cultura e economia criativa, à construção do Instituto Delta Zero de Economia Criativa – uma associação de empreendedores do setor e aos poucos retomando a produção. Mas já ando com vontade de escrever poesia!!! É que tanto tempo dedicado à gestão pública a gente foi “descuidando” da própria arte… Não dava tempo.
MHS: Como são os incentivos estatais para a área de economia criativa na região?
Tarciana Portella: Quanto à lei Rouanet, a captação pelos produtores locais se dá principalmente via os editais nacionais das estatais e empresas privadas, além de busca de patrocínio junto à Chesf e ao BNB, principalmente. É muito pouco ainda o captado, comparado com o volume de recursos existentes – isto sem contar que o estado e prefeituras também fazem uso da lei em momentos diversos, como Carnaval e S. João, entre outros. Existem os editais diversos do Ministério da Cultura, onde geralmente há uma boa participação do Nordeste e de Pernambuco nos resultados. O Fundo Nacional de Cultura, para acesso direto pelas entidades, está como uma série de restrições.
O BNB tem um edital importante para a região, associado ao BNDES – mas este ano ainda não foi anunciado, o que deixa uma grande preocupação. Apesar dos recursos serem menores por projeto, cumpre um papel de interiorizar o acesso ao fomento. Chesf vinha diminuindo e deu uma brecada nos patrocínios. O BNDES tem um importante edital, mas no geral contempla eventos já consolidados.
O estado de Pernambuco tem um Fundo Estadual – Funcultura, que é bem robusto, tendo crescido desde sua criação. Até o f do ano, a produção cultural vai ter um aporte de 22 milhões e a produção audiovisual outro no valor de 11,5 milhões, através dos editais 2012/2013. O mecenato foi extinto por mobilização do segmento cultural em 2002. A Prefeitura tem estado “mal na fita”, com a existência apenas de mecenato no valor de cerca de 1 milhão via ISS, mas com periodicidade extremamente irregular.
No mais, há o debate sobre o uso dos empréstimos reembolsáveis – o que está ocorrendo em todo o país, por sinal, buscando fazer com que os Bancos entendam também outros “modelos de negócios”. Temos aí também o desafio da nova legislação para TV fechada e a ampliação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, com cotas regionalizadas – para o que os realizadores locais precisam estar aptos e informados. Isto para não falar no vale cultura, que vai fazer com que tod@s nós precisemos ir atrás deste novo público, deste novo “mercado”. Há também a questão as startups, um modelo que as áreas mais ligadas à tecnologia têm mais intimidade, mas que precisa ser apreendido por mais setores que podem passar a melhor se relacionar e potencializar nesta associação com a TIC. O Ministério das Comunicações está aportando recursos para o desenvolvimento, em Pernambuco , de um polo de conteúdos digitais – esta interface entre cultura, tecnologia e convergência digital das mídias.
Muitas novidades, então, e necessidades também de reavaliar o que já existe. E olhe que só citei, muito brevemente, algumas!
MHS: O que acha do Movimento HotSpot?
Tarciana Portella: Eu conheci o Movimento Hotspot agora. É uma proposta bastante ousada, com curadores bastante consistentes e importantes, articulados com o debates e desafios da cultura contemporânea. Esta grande chamada de talentos tem o dado de se desdobrar em imersões e consultorias para os finalistas, com possibilidade de networking e um pequeno aporte de recursos. Esta é a primeira vez que o Movimento traz esta abordagem para diversas áreas – virão aprendizagens e o próximo será ainda melhor!