Temos ouvido o tempo todo que o Brasil é a bola da vez. Nossa economia está de vento em polpa e mesmo com a crise mundial a mil, os reflexos ainda não são vistos por aqui. Mas como crescer de modo sustentável diante de dificuldades que ainda não ultrapassamos, como gaps de infra-estrutura, alta dependência de venda de commodities, mercado de trabalho informal, corrupação, falta de políticas públicas?
Para responder essas e outras perguntas, a revista The Economist vai promover no dia 04 de outubro, no Hotel Unique, em São Paulo, o seminário: “Brasil: a próxima etapa da competição”.
Um dos participantes é o diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas e diretor do Creative Commons no Brasil, Ronaldo Lemos. Curador da categoria Ideia do MHS, em entrevista exclusiva, ele fala sobre a importância de economia criativa para o desenvolvimento econômico do País, a criação de um novo modelo industrial, o protecionismo, inclusive, no setor educaional e alerta:”Ninguém disse que seria fácil querer ser potência”.
MHS: O seminário promovido da revista “The Economist” da qual você participa que debater quais são os caminhos da economia no Brasil. Como responderia esse pergunta? O caminho passa pela economia criativa?
Ronaldo Lemos: A economia criativa tem um papel central na discussão sobre desenvolvimento no Brasil. No começo de outubro, a revista “The Economist” vai discutir um pouco essa questão, mas é um debate que deveria estar presente no dia-a-dia. O modelo de desenvolvimento do Brasil precisa ser mais ousado. Não podemos ter medo e querer jogar apenas com o que dominamos. Precisamos apostar na inovação, criatividade e, especialmente, maior integração global. A área de economia criativa é uma peça fundamental para isso. A cultura brasileira circula com imensa facilidade no mundo todo. Para que isso se transforme efetivamente em um vantagem econômica e competitiva, faltam duas coisas: planejamento e visão.
MHS: Em termos gerais, quais são os obstaculos para que o Brasil continue crescendo de maneira sustentável?
Ronaldo Lemos: Esse é um longo debate. Mas de forma simplificada, o País possui algumas vantagens competitivas extraordinárias em algumas áreas, como no agronegócio. O problema é que não dá para viver apenas dele. Olhando os produtos mais exportados do Brsil, são quase todos commodities: soja, café, acúcar, minério de ferro. É uma lista que vai na direção do século XIX. O importante é aproveitar o vigor dos setores em que o Brasil já é competitivo para alavancar novas capacidades. A indústria, hoje, passa por um momento complicado: é um setor em busca de um novo modelo de produção. A crise atual deveria ser mote para abrir novos caminhos de organização industrial. É preciso planejar melhor o desenvolvimento, especialmente no setor criativo. E tudo precisa ser feito simultaneamente, aqui e agora. Ninguém disse que seria fácil querer ser potência.
MHS: Na mesa que você participa, o tema central é o protecionismo. Essa é uma ferramenta que deve ser usada? Se sim, de que forma isso pode acontecer sem se fechar para a globalização?
Ronaldo Lemos: O protecionismo é um remédio altamente tóxico. Ele pode pode promover um alívio temporário, mas no longo prazo ele deixa o paciente lerdo e com dificuldades de se recuperar. O debate sobre protecionismo acontece hoje no setor industrial ou de serviços, mas é preciso discutir também outras formas de protecionismo. Por exemplo, na educação. Hoje as universidades brasileiras estão fechadas para o mundo. Não se vê nem alunos nem professores estrangeiros. Isso é péssimo para o País. Com a crise, podemos atrair talentos globais para nosso sistema educacional, alavancando ensino e pesquisa. Mais do que isso, o aluno brasileiro que se forma no exterior não tem o seu diploma reconhecido no Brasil hoje. Não importa se ele fez mestrado ou douturado em Harvard ou em Oxford, para o nosso sistema educacional ele continua a ser um sem-diploma. Esse tipo de protecionismo é anacrônico e particularmente tóxico para o país.
MHS: A Internet mesmo com a elaboração do Marco Civil da Internet ainda é uma “terra de ninguém” ? Como estabelecer os limites sem ferir o acesso à informação ao mesmo tempo garantir os direitos autorais?
Ronaldo Lemos: Esse é outro ponto crucial. Para um país se desnvolver, ele precisa ter acesso ao conhecimento e à informação. A lei de direitos autorais do Brasil é uma das mais restritivas do mundo. Em pesquisa da Consumers International, ela foi apontada como uma das 5 piores quanto ao seu impacto negativo para a educação e o acesso ao conhecimento. Isso traz um paradoxo. Ao mesmo tempo que a lei não segura os piratas, que seguem operando na ilegalidade, ela impõe restrições para quem quer inovar, seja na criação de novos serviços na web ou novos modelos educacionais. Esse é o pior dos mundos: o pirata continua a pleno vapor e o inovador é quem paga o pato da restritividade da lei. Isso precisa ser mudado. Precisamos de uma lei que combata a pirataria através de novos modelos econômicos, ao mesmo tempo em que incentive o inovador, o empreendedor que quer criar novos serviços no Brasil.
MHS: O Creative Commons da qual vc participa desde o início aqui no Brasil é uma tentativa de por ordem na casa, mas muitos acham que é insuficiente. Qual sua avaliação do papel da entidade até agora lá fora e aqui no Brasil?
Ronaldo Lemos: O Creative Commons é um bom exemplo de como promover o acesso à informação com a justa remuneração do autor. Uma das licenças jurídicas mais usadas do Creative Commons é aquela que permite a ampla circulação da obra para fins não-comerciais, ao mesmo tempo em que o autor pode ser remunerado pelos usos comerciais. Um exemplo é o meu livro mais recente, chamado “Futuros Possíveis”. Ele foi publicado por uma editora comercial (Editora Sulina) e é também licenciado em Creative Commons. O aluno que quiser tirar xerox do livro para estudar está autorizado a fazer isso. E o livro é vendido normalmente nas lojas e até em formato de e-book. Esse equilíbrio é algo que pode ser posto em prática em diversas áreas.
MHS: O fato da ministra Anna de Hollanda tirar o selo do Creative Commons do site do Ministério da Cultura é um retrocesso na politica de inclusão digital?
Ronaldo Lemos: O fato da Ministra Ana de Hollanda ter tirado o selo do Creative Commons do site do Ministério é apenas um dentre vários retrocessos, que ficou até pequeno perto dos outros. O problema do MinC atual é sua total falta de visão e planejamento. É um mistério que evoca a frase “nenhum vento ajuda quem não sabe a que porto veleja”. O MinC tornou-se um Ministério reativo. Apoia alguma coisa aqui, outra acolá, mas não tem nenhuma costura ou plano de onde gostaria de chegar. Precisamos de um Ministério dinâmico, que mesmo sem muitos recursos, saiba usar da força da cultura brasileira para fazer as alianças necessárias, com organismos internacionais, fundações, agentes públicos, privados e o terceiro setor. O que se espera de um Ministério é sua capacidade de inspiração e articulação. Estamos sem um ou outro momento.
MHS: Você está a frente do projeto Overmundo, prêmio Golden Nica, a principal premiação do festival Ars Electronica, na categoria Digital Communities que é um projeto de crowdsourcing da cultura brasileira. O Brasil é mesmo um celeiro de novos talentos? É o país da criatividade?
Ronaldo Lemos: O Brasil é uma usina inesgotável de talentos. E eles se distribuem tem todos os níveis da pirâmide social, da classe A à classe E. Nos últimos anos, fiz diversos projetos de pesquisa para investigar a apropriação da tecnologia pelas periferias brasileiras. É algo de fazer cair o queixo: há arranjos sociais e informacionais que servem de inspiração para o mundo tudo. A questão principal é que toda essa criatividade ainda depende da figura do “heroi”, o indivíduo que batalha contra as adversidades para fazer seu talento frutificar. Não podemos mais depender de herois. Precisamos de um país que reconheça os talentos que temos e elimine as adversidades. Hoje, o empreendedor brasileiro precisa lutar contra tudo e contra todos para prosperar. Precisamos de um país em que o empreendedor encontre as melhores condições possíveis para se desenvolver. Isso deve ser o normal, e não a exceção miraculosa.
MHS: Como você avalia o futuro das redes sociais no Brasil?
Ronaldo Lemos: As redes sociais contribuíram para enriquecer nossa esfera pública. Hoje, é até clichê dizer que o brasileiros adoram uma rede social. Lembro de um amigo, o pensador da internet John Perry Barlow, dizendo que nosso país já vivia como uma rede social muito antes da internet. O que acontece é que somos novidadeiros. Gostamos de experimentar novidades. Entramos no Orkut muito cedo e também no Twitter. Hoje, o Facebook está crescendo e muita gente está indo para lá. Ao mesmo tempo, o Orkut decaiu e o Twitter começa a dar sinais de declínio também. Redes com o Tumblr e o Pinterest estão capturando a atenção de muitos jovens. Em síntese, na rede, nós somos como aves migratórias: grandes contingentes de pessoas que vão mudando de uma rede para outra. A tendência é que depois de um tempo, a novidade perca a graça, as pessoas saiam a procura do que vem depois.
MHS: O Movimento HotSpot possui a categoria Ideias, da qual você é um dos curadores. Como um jovem pode expôr e mais ainda conseguir executar um ideia sem correr o risco de ser copiado?
Ronaldo Lemos: Acho que o próprio Movimento HotSpot é uma forma de atribuir a autoria para a ideia do jovem que participa do projeto. É preciso lembrar que as ideias são fugidias: se são boas mesmo, elas surgem e se disseminam rápido. Para o criador de uma ideia ganhar o devido crédito por ela o melhor caminho é fazer com que ela aconteça. Em outras palavras, desenvolver de forma rápida e eficiente o projeto de concretização daquela ideia. Acredito que o Movimento HotSpot é uma boa forma de dar o pontapé inicial para que isso aconteça.
MHS: O que você vai levar em conta na sua avaliação dos projetos na categoria Ideia?
Ronaldo Lemos: Sou exigente e sempre a procura de coisas ousadas, que fujam do óbvio. É muito fácil seguir na esteira do que já está dando certo. Muita gente do Brasil todo, quando vê um projeto como o Movimento HotSpot, fica querendo adivinhar qual seria o projeto “certo”, aquele que vai agradar os curadores. Os projetos mais interessantes são justamente aqueles fora da linha do que é o “certo”, que não têm vergonha das suas particularidades, regionalidades, nem de tratarem de nichos, nem medo de avançar sobre territórios que não estão no radar do que é considerado “cool”.