O curador de música do Movimento HotSpot, José Flávio Júnior, faz um balanço do atual cenário da música brasileira com os novos talentos, os talentos que chegaram aos 70 inovando, a música de cada região e se há um ritmo específico para a classe C e por fim, como as novas tecnologias ajudam a lançar a reverberar a boa música em todo o planeta
O Brasil é um celeiro criativo na música. O que vem de novo por aí? Nomes como Emicida, Tulipa Ruiz e Rodrigo Campos são a nova cara da música brasileira?
É difícil prever quais artistas e quais gêneros musicais terão destaque no Brasil nos próximos anos. Principalmente porque nosso país é mesmo muito rico em talentos nessa área. Mas também porque hoje está tudo muito espalhado. Enquanto os
fenômenos de massa acontecem com menor incidência, muitos artistas estão conseguindo se dar bem explorando um mercado médio, fazendo shows para mil pessoas, vendendo cinco mil álbuns. Isso é muito saudável. Dito isso, é notório que o hip hop está crescendo e arrebanhado fãs fora do gueto. O responsável por isso é principalmente o Emicida, que é um artista incrível. Já a Tulipa lança disco novo este ano e a expectativa é de que ela volte a surpreender e amplie seu público (que já é bacana). O segundo do Rodrigo Campos sai neste mês e está melhor do que o CD de estreia. Certamente será lembrado como um dos lançamentos do ano. Esses três artistas vão longe.
Por outro lado, artistas consagrados como Gal Costa, Maria Bethania e Gilberto Gil estao fazendo novos experimentos usando, respectivamente, a música eletrônica, o canto à capela e orquesta em seus novos trabalhos. Está ocorrendo uma renovaçao na MPB?No caso da Gal, o mérito é todo do Caetano, que é um eterno jovem, bem informado e interessado em música de vanguarda. Ele guiou Gal em seu novo disco, mas não sei se a baiana dará continuidade a esse experimento, pois ela não me pareceu confortável com a proposta. A Bethânia vive no mundo dela e não tem interesse em fazer algo que soe contemporâneo. Já o Gil não lança algo impressionante há mais de três décadas. Não acho que esse pessoal esteja se renovando, não. É que o Caetano é especial e leva a gente a essa confusão. Passou da hora dos novos artistas pararem de regravar músicas desses ícones, pararem de pedir bênção. A MPB não se resume a eles. Aliás, amo os quatro citados. Mas, como crítico musical, não posso ignorar o que acontece com eles atualmente.
Está surgindo uma tendência de ritmos e ou estilos destinados à classe C? O que difere essas manifestações das demais?
Na real, são as classes A e B que estão menos interessadas em ouvir propostas mais inteligentes. Logo, todas as classes acabam ouvindo as mesmas coisas. O que prevalece, como diz o produtor Carlos Eduardo Miranda, é a “música para fazer filhinhos”. Uma letra sacana, uma dancinha eróti ca e a certeza de que aquela música trará um ganho efetivo no final da noite. Isso é só o aperfeiçoamento de algo que sempre existiu. Eu, particularmente, sou doido por funk carioca, tenho muito interesse no tecnobrega do Pará e simpatizo com o Michel Teló. Mas, se eu ouvisse apenas isso, acho que minha vida seria uma desgraça. Pena que você não consiga ensinar o povo a ser receptivo a todos os ritmos existentes no mundo. Cada um escolhe o que quer ouvir e a música mais imediata sai na frente. Fora que, de vez em quando, a gente confunde o que é para a classe C ou para a classe A. Acho “Ai, Se Eu Te Pego” tão brega, legal ou irritante quanto “Pais e Filhos”, que era o que tocava no rádio quando eu era jovem.
Dá para falar em um mapa de estilos por regiões do país ou tudo acaba se popularizando de alguma forma?
Nos últimos anos, pude conhecer movimentações musicais em vários estados (Acre, Amazônas, Pará, Rondônia, Goiás, Amapá, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Mato Grosso, Rio Grande do Sul etc). Cada lugar tem um gênero local predominante. Mas, no mainstream, está todo mundo ouvindo a mesma coisa. Claro que existem manifestações regionais que acabam cruzando fronteiras, como o tecnobrega paraense, que é bem recebido em Recife e já tem uma formação de destaque em Goiânia (a Banda UÓ). Isso pode ser um clichê, mas o que funciona em uma região tende a funcionar na outra, pois a internet acabou com algumas distâncias. Quando o assunto é “popularização”, aí complica um pouco.
Como as novas mídias estao ajudando na divulgaçao de novos artistas?
Hoje é mais fácil lançar um trabalho. Aumentar o alcance dele é que é a grande questão. Por isso que iniciativas como o Movimento Hotspot são muito importantes. O artista consegue gravar, fazer shows na cidade natal e forma r um fã-clube com certa facilidade usando as novas ferramentas de divulgação. Mas o passo seguinte – que inclui ficar conhecido para poder tocar no resto do Brasil e então passar a sobreviver de música – fica cada vez mais difícil de ser dado, uma vez que a concorrência é grande e canais tradicionais como as gravadoras, as rádios e a mídia impressa perderam força.
A que você atribui o esvaziamento do MySpace? O que vem por aí?
O MySpace era uma porcaria. Eu mesmo usei muito pouco, nunca tive perfil lá. Na verdade, ninguém precisa usar rede social alguma, desde que tenha um site oficial decente, com os áudios disponíveis para serem ouvidos, agenda atualizada e release bem escrito. É que as pessoas adoram seguir tendências. O futuro talvez esteja nos sites em que os artistas novatos podem contratar consultorias de especialistas para refinar seu trabalho. Eu mesmo participo de um chamado DreaMusic, que tem uma pr oposta bem bacana e pode ajudar muitos artistas em começo de carreira.