Ao chegar em casa após o primeiro dia de Sónar, o auto-intitulado Festival Internacional de Música Avançada e New Media Art, que rolou na capital paulista na sexta e no sábado, comecei a matutar se tinha presenciado mesmo algo avançado ou havia voltado no tempo. Explico: nesse festival de proposta e plateia tão vanguardistas, o fumo era tolerado em todos os espaços fechados do evento. As pessoas acendiam seus cigarros sem cerimônia, ignorando tanto a lei que proíbe o ato quanto o respeito ao próximo. Os três palcos apresentaram atrasos que variaram de vinte minutos até uma hora, algo inexplicável em um festival com apresentações concorrentes. Teve até um palco no sábado em que a programação foi antecipada (!) em meia hora, sem que a informação fosse passada de maneira eficiente ao público. Perdeu tempo quem passou horas definindo qual roteiro faria para aproveitar o Sónar ao máximo. Outra coisa que me remeteu a um passado distante foi a fila que as pessoas enfrentaram para retirar ingresso e adentrar o site do festival na sexta-feira. Também me senti na pré-história dos eventos de música todas as vezes que fui ao banheiro e precisei de sabão líquido para assear as mãos. Não encontrei uma gota. Pelo menos os preços das bebidas e do estacionamento eram de vanguarda: o consumidor só pagará valores semelhantes em 2025, prevejo.
Sobre os shows que vi com atenção, posso dizer o seguinte.
Chromeo – A dupla canadense de eletrofunk fez uma das apresentações mais concorridas e animadas do festival. O cantor e guitarrista Dave 1 fez questão de ressaltar que essa foi a primeira aparição “de verdade” do Chromeo em São Paulo, já que em 2010 eles tocaram numa festa fechada na cidade para poucos convidados. Até a citação de “Money for Nothing”, hit do Dire Straits, funcionou.
Doom – Era o show que os fãs de hip hop mais ansiavam testemunhar. Senti que ninguém saiu insatisfeito. O quórum foi pequeno porque o show bateu com os de Criolo e Kraftwerk – que fez o mesmo de sempre, só que dessa vez com um telão 3D sarapa no fundo do palco.
Gang do Eletro – O grupo paraense apresentou sua música eletrônica amazônica com muita garra e vestimentas que brilhavam no escuro. O guitarrista Felipe Cordeiro, outra revelação de Belém, acompanhou o quarteto em duas músicas. Na plateia, praticamente só formadores de opinião.
Silva – Depois de uma performance sem vida do Psilosamples, o capixaba Silva demonstrou porque desde o ano passado seu trabalho tem sido tão comentado entre os mais espertos. Não bastasse soar como uma cruza de Ivan Lins com The Postal Service, o que é curioso por si só, Silva mostrou segurança nos teclados e no violino, resultado de anos de estudo (o que sempre faz diferença quando o artista é criativo). A Som Livre já o contratou.
Mogwai – Curti. Mas só peguei a última música. Se tivesse pegado duas, acharia médio. Se pegasse três, acharia um porre. Pós-rock angustiadinho e com guitarras absurdamente altas: pensei que seria extinto bem antes de 2012, talvez na mesma leva dos tamagotchis.
Cee Lo Green – Uma das maiores decepções do festival. O repertório não reuniu todos os hits, as versões dos sucessos do Gnarls Barkley deixaram a desejar e a reunião de seu antigo grupo de rap não empolgou. Fora que nem a banda nem a equalização do som ajudaram.
Justice – Se a dupla francesa mudou bastante do primeiro para o segundo disco em estúdio, o mesmo não pode ser dito da experiência ao vivo. Gaspard Augé e Xavier de Rosnay continuam os mesmos presepeiros, usando de artifícios visuais para enlouquecer o povo. Os temas mais progressivos do segundo álbum surgiram quase todos misturados com faixas mais dançantes do primeiro, o que surtiu efeito na pista. O ápice do Sónar, sem dúvida.