Uma coisa muito importante e que precisa ser repetida é que as inscrições do Movimento Hotspot estão abertas a músicos de todas as vertentes sonoras. A riqueza musical do nosso País tem de ser exaltada, por mais clichê que isso soe. Na última semana, estive no Rio de Janeiro para uma etapa do segundo Festival Nacional de Viola, o Voa Viola. Esse evento itinerante, capitaneado pelos mestres Roberto Corrêa e Paulo Freire, exemplifica bem a pluralidade da música popular brasileira. Ainda que focado em um instrumento específico, a viola, o festival oferta pequenas apresentações de artistas que flutuam por praias das mais diversas.
Entrada do Festival Voa Viola organizado por Roberto Corrêa e Paulo Freire. Crédito: Divulgação
Minha grande descoberta nesse Voa Viola foi o carioca radicado em Campo Grande (MS) Marcelo Loureiro. O jovem de vinte e poucos anos aborda a viola como se fora um músico de jazz. Sua interpretação de “Luzeiro”, clássico de Almir Sater, é cheia de improvisos, não me remete a nenhuma outra versão que já ouvi. O mais surpreendente foi descobrir depois do show que o instrumento original dele é a harpa paraguaia, usada aqui no Brasil em arranjos de artistas sertanejos como Chitãozinho & Xororó. Loureiro também é fera no violão. Foi de tanto ser chamado equivocadamente de violeiro (em vez de violonista) que ele resolveu dar uma chance à viola. Taí uma figura inquieta que tem tudo para virar uma referência no Brasil, como o gaúcho Yamandu Costa virou, transitando por caminhos parecidos.
Marcelo Loureiro aborda a viola como se fora um músico de jazz. Crédito: Divulgação
Outra apresentação que me deixou embasbacado foi a da Orquestra Paulistana de Viola Caipira. Você sabia que existem diversas orquestras de violeiros espalhadas pelo país? Muitas delas têm o envolvimento de Rui Torneze, que faz um trabalho admirável em dar tratamento quase erudito a um instrumento tão regional. Os mais de trinta músicos em cima do palco tocaram desde temas sertanejos, como “Saudade de Minha Terra”, até uma composição de Tom Jobim, “Chovendo na Roseira”. O ápice do festival era para se dar na exibição da lenda fluminense Egberto Gismonti, que chegou até a escrever músicas novas na viola caipira para executar no Teatro Carlos Gomes. Pena que ele teve um problema de saúde e precisou ser substituído por Jair Rodrigues. O torcedor fanático do Santos não demonstrou estar nem um pouco abatido com a derrota do seu time na Copa Libertadores no dia anterior e fez a fuzarca habitual, chegando a plantar bananeira ao fim de “Romaria”.
Trinta músicos entoaram clássicas canções sertanejas. Crédito: Divulgação
Essa não foi a primeira vez que o Voa Viola me encantou e me apresentou artistas. Na primeira edição, conheci em Brasília uma garota chamada Bruna Viola, à época com 17 anos. Apesar do visual country moderno, a virtuosa cuiabana é obcecada por Tião Carreiro (1934-1993), um dos maiores ícones da música caipira. Consegui encaixar Bruna duas vezes no Prata da Casa, projeto do SESC Pompeia em que fui curador até janeiro, escrevi sobre ela na revista Bravo!, descolei uma pauta no extinto caderno Folhateen, da Folha de São Paulo, fiz o produtor e baixista Kassin virar fã. Ainda é pouco. Artistas dedicados como Bruna e Loureiro, que trilham caminhos além do trivial e muitas vezes ficam longe do mainstream, merecem ser destacados e enaltecidos todo o tempo. Estamos aqui para isso.