Gringo Cardia trabalha com a alma e lápis em projetos multidisciplinares

“Gringo Mãos de Lápis”. É assim, parodiando o ator Johnny Depp, no filme “Eduardo Mãos de Tesoura,” que o designer Gringo Cardia define seu processo de trabalho. “Fico rabiscando o tempo todo”, comenta. “Vou desenhando minhas ideias e assim dou forma ao meu pensamento”. Pensamento que não para um minuto nas diversas atividades que exerce. Arquiteto, cenógrafo, artista plástico, videomaker. Um multimídia com múltiplos interesses. A conversa com o MHS era sobre o cenário de Tatyana, o mais recente espetáculo da companhia de dança de Deborah Colker, mas acabou passando por Cirque du Soleil, Museu da Cruz Vermelha, processo criativo, conselhos e muito mais. Acompanhe.

Ovo – Cirque du Soleil

Já se passaram 03 anos desde a criação dos cenários do espetáculo Ovo concebido por Deborah Colker para o Cirque du Soleil. E só agora começa a sua itinerância pelo mundo tendo como primeira parada a Austrália. O Brasil ainda está fora da rota e pode demorar 15 anos para conhecer esse trabalho que fiz para a companhia de circo mais respeitada do mundo. Os cenários levaram mais de 03 anos para serem construídos depois de 12 meses de gestação. A fabricação é em uma espécie de hangar de avião, feita por engenheiros, com materiais que devem durar pelo menos 20 anos sem quebrar. Não há tempo nem dinheiro para consertos. Não há nada igual no mundo. E tudo é acompanhado pelo fundador Guy Laliberté. Ele dá palpite, sugere, opina. O cara é a galinha de ovos de ouro desta fábrica de sonhos.

Cenário do espetácilo Ovo que inicia turnê pela Austrália

Tatyana

A parceria com Deborah Colker também é única. Nossa forma de trabalhar é bastante particular. Primeiro, eu crio o cenário e, em cima dele, ela monta a coreografia. Por isso, aparece tão perfeito em cena. É um ano de trabalho diário, ajustando as peças, os tamanhos, os movimentos, para que cenário e bailarino se tornem uma coisa só, mostrando essa intimidade corporal e cênica. Neste espetáculo, pela primeira vez, contamos uma história em dois atos. E aí usei recursos bem distintos. Na primeira parte, tem uma árvore enorme de madeira que lembra o campo, as estações do ano, os lugares onde os personagens vivem. É o elemento central, ressaltando o lado físico da dança que é uma marca registrada da companhia. No segundo ato, usei três camadas de shark’s teeth (uma tela transparente com pequenos furos) e projeções, que davam a sensação de 3D. No início deste ato, eram linhas retas cobrindo as trajetórias e os caminhos de cada personagem. Depois, as linhas ficaram mais curvas, mais orgânicas. Como se a emoção saísse dos corpos dos bailarinos e por fim, a neve quadrada. Nada tem de ser literal. Tudo tem de ser inspirador.

 

 Museus

Ultimamente tenho feito projetos para museus onde uso tudo que sei em termos de artes plásticas, cenografia, artes visuais, para contar histórias diferentes. Apelo para recursos interativos de forma a fazer com que os jovens se interessem pela história do conhecimento, do preconceito, dos direitos humanos, das telecomunicações. Foi assim com o Memorial Minas Gerais, onde fiz  um projeto para 30 salas em um espaço de 5 mil metros quadrados e também no Museu das Telecomunicações, no Rio de Janeiro . Agora, estou envolvido com o Museu da Cruz Vermelha que será reaberto em 2013, em Genebra, na Suíça. São três projetos diferentes: um meu e os outros dois dos arquitetos Diébédo Francis Kéré (Burkina Faso) e Shigeru Ban (Japão). Quero mostrar que neste mundo, que parece cruel, sempre houve homens bons que cuidam e protegem os seus. Vou usar todos os recursos tecnológicos existentes – conta até com a ajuda da Escola de Tecnologia da Suíça – para emocionar. Esse é meu objetivo sempre.

Protótipo do Museu da Cruz Vermelha

Processo de criação

Tudo começa com um brainstorm. Preciso descobrir o sentimento que devo traduzir em concretude. Aí tem muita conversa com o cantor, o diretor do espetáculo, o designer, ou seja, para quem eu vou trabalhar. Tento conhecer as pessoas, o que elas querem contar e materializar em algo novo, diferente, surpreendente. Não podemos ter medo de arriscar. E quanto mais velho a gente fica, mais nos habituamos com nossa zona de conforto. Está errado. Temos de ousar sempre. Essa é a essência de um bom cenógrafo.

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